Entrevista para o Infomoney. Leia a íntegra aqui
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na quinta-feira (27) o julgamento sobre a revisão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) com 2 votos a favor e nenhum contrário a, no mínimo, equiparar o rendimento do fundo à poupança. Faltam as manifestações de 8 ministros no processo.
O julgamento começou na semana passada, com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação na Corte. Ele afirmou em seu voto que a atual correção de 3% ao ano + Taxa Referencial (TR) não repõe perdas inflacionárias e que o fundo não pode render menos que a caderneta de poupança (cuja remuneração é de 6,17% ao ano + TR quando a Selic estiver acima de 8,5%).
Mas Barroso defendeu que a decisão não seja retroativa, contrariando o pedido do Partido Solidariedade (que era de repor as perdas inflacionárias de anos anteriores). André Mendonça seguiu o voto do relator e defendeu que a “TR para fins de correção monetária é inconstitucional”.
Caso o entendimento de Barroso seja seguido pela maioria dos ministros, o novo “piso” para a remuneração do FGTS passaria a valer só a partir da publicação da decisão do STF. Isso encerraria todos os processos que tramitam no Judiciário pedindo a reposição das perdas para a inflação e evitaria um impacto de ao menos R$ 661 bilhões aos cofres da União, segundo a Advocacia-Geral da União (AGU).
Além disso, o voto de Barroso pode não alterar significativamente o rendimento futuro do FGTS, pois o fundo já superou a poupança entre 2018 e 2021 (veja na tabela abaixo). Em 2022 o rendimento da caderneta foi maior, mas o conselho curador do FGTS ainda não distribuiu os lucros do ano passado aos trabalhadores (o que costuma ocorrer só em julho).
Arthur Longo Ferreira, sócio da banca Henneberg, Ferreira e Linard Advogados, diz que, “a depender das variáveis (distribuição do lucro do FGTS relativamente alta e remuneração da poupança baixa), a decisão pode não mudar efetivamente para o trabalhador em certos períodos no futuro”.
FGTS x poupança x inflação
O FGTS rendeu mais que a poupança entre 2018 e 2021 e mais que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre 2018 e 2020, mas o período foi marcado por características específicas que podem voltar a não acontecer: uma inflação relativamente baixa para os padrões brasileiros, a TR zerada e um rendimento inferior da caderneta, porque a taxa Selic estava abaixo de 8,5% ao ano.
Isso porque a poupança rende 6,17% ao ano + TR, mas sua remuneração cai para 70% da Selic + TR quando a taxa básica da economia brasileira estiver igual ou abaixo a 8,5%. Além disso, o lucro do FGTS passou a ser distribuído aos trabalhadores nos últimos anos (em parte ou totalmente), com a lei nº 13.446/2017.
“O que ocorreu nos anos de 2019, 2020 e 2021 foi que a distribuição de resultados do FTGS foi maior e, somada à remuneração fixa de 3% ao ano + TR, superou a rentabilidade da poupança — que, por sua vez, contou com a Selic abaixo de 8,5% ao ano neste período”, afirma Ferreira, sócio do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados.
O cenário atual, no entanto, mudou: a inflação medida pelo IPCA fechou em 10,06% em 2021 e 5,79% em 2022 e a expectativa é que encerre 2023 em 6,04%, segundo o último Relatório Focus. Já a poupança rendeu 7,90% no ano passado, o maior patamar desde 2016, “turbinada” pela TR de 1,63% (que também beneficia o FGTS).
“O voto do ministro Barroso não determinou que a atualização acompanhe a inflação [como pede o partido Solidariedade], mas reconheceu que o modelo que estabelece a remuneração de 3% ao ano com a inclusão da Taxa Referencial (TR) é insuficiente”, pondera Araújo.
Como repor as perdas inflacionárias?
Apesar de ter votado para que a decisão não seja retroativa, o relator da ação no Supremo deixou uma porta aberta para trabalhadores negociarem uma possível reposição das perdas inflacionárias. Isso porque Barroso disse em seu voto que os questionamentos podem ser alvo de negociação coletiva com o governo federal ou medida legislativa.
Arthur Longo Ferreira, sócio do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados, pondera que o ministro fechou em seu voto a porta para ações judiciais e propôs “que eventuais correções de perdas passadas só poderão ser avaliadas e equacionadas pelo Poder Legislativo e/ou mediante negociação entre entidades de trabalhadores e o Poder Executivo”, mas não explicou “como se dariam exatamente estas formas de equação”.
“Se confirmado esse entendimento pelos demais ministros, será difícil, por ora, nova discussão judicial sobre o assunto prosperar”, afima Ferreira. “Mas é de se esperar que as entidades de classe e de defesa dos trabalhadores se mobilizem para tentar tratar do assunto das perdas passadas pela via legislativa e em negociações com o Poder Executivo, conforme sugerido pelo ministro Barroso”.