Por Arthur Longo Ferreira. Artigo publicado pelo Conjur
Sancionado em 30 de dezembro de 2021, o novo Marco Legal de Câmbio (Lei Federal nº 14.286) trouxe importantes mudanças ao mercado cambial brasileiro, buscando melhorar o ambiente de negócios e conferir maior inserção às cadeias globais. Dentre as alterações trazidas, importantes mudanças em relação ao curso forçado da moeda nacional.
O curso forçado da moeda se trata da obrigação legal de utilização apenas da moeda estabelecida em lei para circulação em determinado país. Essa obrigação é importante para a moeda de um país, já que estas não possuem valor intrínseco (como é o caso dos metais preciosos), necessitando de uma lei que obrigue sua confiança e utilização em determinado território.
Em âmbito nacional, a obrigação estava, até então, prevista no Decreto-Lei nº. 857, de 11 de setembro de 1969 [1], que estabelecia, em seu artigo 1º, que eram nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, assim como as obrigações exequíveis no Brasil, que estipulassem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, de qualquer forma, restringissem ou recusassem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro. Depois, claro, entendido e aplicado ao real.
Entretanto, apesar de bastante restrito, o Decreto-Lei já trazia algumas exceções ao curso forçado:
(1) aos contratos e títulos referentes à importação ou exportação de mercadorias;
(2) aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens e serviços vendidos a crédito para o exterior (Redação dada pela Lei nº. 13.292, de 2016);
(3) aos contratos de compra e venda de câmbio em geral;
(4) aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional;
(5) aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país; assim como, permitia contratos de locação de bens móveis com estipulação de pagamento em moeda estrangeira, desde que registrados previamente no Banco Central do Brasil.
Estas exceções eram muito restritas e limitavam sobremaneira a negociação de brasileiros e suas empresas com estrangeiros e o consequente aceite das respectivas moedas estrangeiras (seja dólar, euro ou qualquer outra), especialmente quanto à possibilidade de se levar as respectivas discussões e cobranças ao Judiciário brasileiro.
O novo Marco Legal de Câmbio revogou integralmente o Decreto-Lei e dispôs, em seu artigo 13 novas hipóteses, mais amplas que as anteriores, de estipulação de pagamento em moeda estrangeira nas obrigações exequíveis no território brasileiro. Quais sejam:
(a) nos contratos e nos títulos referentes ao comércio exterior de bens e serviços, ao seu financiamento e às suas garantias;
(b) nas obrigações cujo credor ou devedor seja não residente, incluídas as decorrentes de operações de crédito ou de arrendamento mercantil, exceto nos contratos de locação de imóveis situados no território nacional;
(c) nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre residentes, com base em captação de recursos provenientes do exterior;
(d) na cessão, na transferência, na delegação, na assunção ou na modificação das obrigações referidas nos itens acima, inclusive se as partes envolvidas forem residentes;
(e) na compra e venda de moeda estrangeira;
(f) na exportação indireta[2];
(g) nos contratos celebrados por exportadores em que a contraparte seja concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de infraestrutura;
(h) nas situações previstas na regulamentação editada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), quando a estipulação em moeda estrangeira puder mitigar o risco cambial ou ampliar a eficiência do negócio;
(i) em outras situações previstas na legislação.
Ainda que o parágrafo único deste artigo tenha estipulado que o pagamento em moeda estrangeira feita em desacordo com o disposto acima seja considerada nula de pleno direito, é notório o aumento das situações e possibilidades de utilização formal de moedas estrangeiras nos negócios no território nacional e a possibilidade de se executar os respectivos contratos no Judiciário local.
Dessa forma, o primeiro item reproduziu de forma ainda mais clara e abrangente o já disposto anteriormente, para permitir a adoção de moedas estrangeiras nos contratos de comércio exterior, seu financiamento e garantias.
O segundo item do novo artigo trouxe importantíssima inovação ao permitir que negócios entabulados com não residentes sejam passíveis de serem pactuados em moeda estrangeira, e consequentemente, executados no Brasil.
Esta possibilidade anteriormente se limitava aos empréstimos e financiamentos. De qualquer forma, infelizmente restou mantida a limitação de não possibilidade de negociação de contratos de locação de imóveis em moedas estrangeiras, mesmo com não residentes (o que poderia ter sido um avanço ainda maior, diante da grande circulação de estrangeiros locando imóveis por plataformas e aplicativos no Brasil). Não obstante, este item abre possibilidade do Judiciário brasileiro ser escolhido nas diversas negociações com estrangeiros (não residentes) e resolver questões que antes eram necessariamente resolvidas apenas nos Judiciários estrangeiros.
Outro item bastante controverso no passado e que teve grande repercussão no Judiciário local nos anos 1990, foi a possibilidade de utilização de moeda estrangeira nos contratos de arrendamento mercantil (leasing) entre os próprios residentes, demonstrando grande amadurecimento legal sobre o tema.
O artigo trouxe expressamente, inclusive, outra situação que já constava na redação anterior do Decreto-Lei, qual seja, a possibilidade de manutenção da utilização de moeda estrangeira nos atos consequentes de cessão, transferência, delegação e modificação destes negócios mencionados, entre e por residentes.
Outro item mantido da redação anterior foi, obviamente, a possibilidade de utilização na compra e vendas de moedas estrangeiras.
Duas novas hipóteses que facilitam a utilização aos exportadores e fomentam a infraestrutura nacional, foram, na exportação direta (conforme lei específica sobre o tema), bem como, na contratação com contraparte que seja concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária do setor de infraestrutura.
Vale ressaltar também, que as duas últimas situações listadas na lei, trazem à norma a possibilidade e facilidade de regulamentação específica e técnica pelo CMN de situações futuras para facilidades dos negócios (o que certamente dará maior agilidade às mudanças necessárias), bem como, ao próprio legislativo criar normas específicas não conflitantes com esta.
Essas mudanças vão em linha com a globalização dos negócios e abertura brasileira aos negócios com estrangeiros, especialmente os digitais (e.g. negócios pela internet, desenvolvimentos digitais etc.), trazendo cada vez mais a possibilidade de exportação de serviços nestes mercados, negociação de empresas e pessoas residentes no país com empresas e pessoas de qualquer outra parte do mundo, entre outras.
Dessa forma, hoje em dia se pode formalizar diversa gama de negócios e contratos com não residentes e até alguns com residentes, conforme listados acima, em moeda estrangeira, podendo trazer ao Judiciário brasileiro a discussão e execução judicial dos respectivos contratos.
Por fim, vale notar que o legislador deixou de fora da norma, provavelmente de forma proposital (diante da novidade do tema e possível legislação específica futura sobre este), a possibilidade expressa de utilização de criptomoedas como “moedas estrangeiras” nos negócios entre residentes e até mesmo com os não residentes.
Portanto, como podemos verificar, o Novo Marco Legal de Câmbio manteve o necessário curso forçado do real, mas trouxe bastante modernização e adequação legislativa às possibilidades de utilização de moeda estrangeira nas negociações e contratações exequíveis no Brasil, preparando também a norma para adequações técnicas futuras pelo CMN inclusive, caso necessário.