Fonte: Migalhas, dia 8/10/2018. Link
Por Maria Odete Duque Bertasi*
Há tempos se discute sobre o real alcance do controle judicial sobre os acordos realizados por empresas em recuperação judicial, e seus credores, conforme Plano de Recuperação submetido à Assembleia Geral convocada especialmente para essa deliberação.
É que nos referidos Planos a empresa em recuperação acaba propondo deságios e prazos diferenciados para o pagamento das dívidas que pode ocorrer de serem aceitos pelos credores, quando da realização da Assembleia, mas posteriormente são rejeitados pelo Juiz ou Tribunal, e a consequência, via de regra, é o decreto da falência da empresa devedora.
O que se discute, nesse âmbito, é se o controle judicial pode ser exercido amplamente pelo juiz da causa, em todos os aspectos da negociação, ou se existe liberdade entre a devedora e seus credores no sentido de estabelecer as condições em que o débito sujeito à recuperação judicial será pago.
Essa matéria chegou ao STJ através do RESP 1.631.762-SP, em cujos autos se discutia se o Plano de Recuperação era válido – por supostamente conter disposições negociais violadoras da Lei 11.101/2005– e, por consequência, até que ponto prazos e condições de pagamento incluídos no Plano aprovado em Assembleia de Credores, estariam no âmbito da regular negociação entre as partes interessadas, afastando assim o controle do Poder Judiciário.
A Câmara julgadora reconheceu, por unanimidade de votos, que no processo de recuperação judicial o Plano aprovado em Assembleia de Credores tem força contratual, somente podendo ser anulado pelo Poder Judiciário em determinadas situações, mormente caso haja afronta a dispositivos da Lei que tratam da necessária observância de deliberação mínima por classe de credores, observado o quórum deliberativo (art. 45 da LF) e na hipótese de não pagamento de créditos trabalhistas nos prazos previstos expressamente na referida Lei (art. 54 da LF).
Para maior compreensão do tema, a Lei de Recuperação prevê em seu artigo 45 que todas as três classes de credores deverão aprovar o Plano, enquanto o artigo 54 estabelece prazo não superior a um ano para pagamento dos créditos trabalhistas, inclusive de acidente de trabalho.
Portanto, esse julgamento pacificou o entendimento de que a concessão de prazos para pagamento dos créditos, incluindo eventuais descontos em seu montante, constitui meio legal da recuperação do devedor, não havendo qualquer abusividade ou ilegalidade no procedimento.
De outra parte, o mesmo julgado pôs fim à polêmica no que referia ao controle judicial sobre o Plano de Recuperação, deixando claro que somente nas hipóteses em que haja afronta aos artigos 45 e 54 da Lei 11.101/2005 é que o Juiz deverá rejeitar o Plano e, sendo o caso, expor a devedora ao decreto de sua falência.
O Tribunal andou bem ao decidir nessa linha porque a lei pretendeu deixar às partes interessadas, ou seja, devedor e credores, a possibilidade de viabilização do plano conforme os meios que o devedor dispõe para se recuperar da crise financeira, sendo facultado ao credor, mediante voto por classe, aceitar a proposta do devedor, caso em que o plano deve ser homologado pelo Juízo da recuperação.
Somente nas hipóteses em que houver violação ao comando dos artigos 45 e 54 da lei, reportados anteriormente, é que o Poder Judiciário poderá, exercendo o controle estatal, rejeitar o plano decretando sua ineficácia por violação de lei.
No mais, é deixar ao arbítrio dos interessados a escolha da forma pela qual a devedora pretende sair da crise, certamente fazendo proposta viável e consistente de concessão de prazos maiores para pagamento de suas dívidas ou de condições especiais para tanto, sobretudo com deságios e descontos, liberdade negocial que pode ainda, dependendo das circunstâncias, favorecer e ser de interesse dos próprios credores.
Maria Odete Duque Bertasi, ex-Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e sócia da Dalle Lucca, Henneberg, Duque Bertasi e Linard Advogados.