Está próximo o início da transição da Libor

Artigo publicado na Capital Aberto

Substituição da taxa que norteia operações no mercado externo requer ajustes de contratos

A Libor (London interbank offered rate), publicada pela Intercontinental Exchange (ICE), corresponde à média das taxas oferecidas entre os bancos no mercado financeiro de Londres e serve como referência e padrão para a precificação de operações financeiras mundo afora.

No Brasil, a Libor é utilizada para precificação de operações que acessam o mercado externo, como pré-pagamentos de exportação, empréstimos externos, repasses de recursos estrangeiros e suas respectivas operações de derivativos entre outros. E, diferentemente das taxas pós-fixadas habituais no País (como o CDI, por exemplo), a taxa Libor é sempre conhecida para determinados períodos futuros.

Taxas livres de risco

Ocorre que desde o escândalo financeiro de 2008, situação em que foi verificado envolvimento de diversos agentes do mercado em interferências indevidas nessa taxa, autoridades decidiram pela substituição da Libor pelas chamadas taxas livres de risco, as RFRs (risk free rates).Em 2017, a Financial Conduct Authority (FCA), autoridade financeira de conduta do Reino Unido, seguida por entes congêneres e outras entidades, anunciou, com ajustes posteriores, que os bancos não deveriam se submeter à Libor após 31 de dezembro de 2021 (para as configurações GBP, EUR, CHF, JPY e USD Libor ) e depois de 30 de junho de 2023 para a Libor overnight em dólar de um, três, seis e doze meses.

Os prazos para essas mudanças estão se aproximando, mas ainda não há um padrão de taxa estabelecido para o fechamento de novas operações. Além disso, e mais importante — por impactar os contratos já assinados —, não há um consenso para a migração da taxa das operações existentes.

Faltam disposições contratuais

Muitos contratos assinados com a taxa Libor não têm sequer disposições para aplicação de opções substitutas, o chamado fallback. E, na prática, nos contratos que têm alternativas elas aparentam ter baixa aplicabilidade ou podem ser prejudiciais às partes se forem efetivamente utilizadas.

Importante ressaltar que, no mercado brasileiro, a maioria das posições em Libor tem um respectivo contrato de derivativos para proteção quanto à variação dessa taxa. Logo, as partes posicionadas em Libor precisarão alterar os respectivos contratos de derivativos, que já estão seguindo o chamado “protocolo ISDA” (basicamente, incluindo fallback aos contratos), mas que deverão estar alinhados ou equacionados com o contrato principal para a migração para a taxa substituta.

Leis estrangeiras e locais

O mercado bancário internacional discute ainda qual seria a taxa livre de risco substituta à Libor. Especula-se que a de maior adesão e utilização pelos bancos seria a chamada SOFR (secured over night financing rate), que conta com diversas opções, como a de taxa a termo, capitalizada diariamente. No entanto, nem todas estão atualmente disponíveis.

Grande parte dos contratos é regida por leis estrangeiras (majoritariamente do estado de Nova York da Inglaterra e do País de Gales). Aconselha-se que sejam sempre aditados por advogados habilitados nas respectivas leis. Já outra parte dos contratos (ou até mesmo formalizados por notas e cédulas) é regida por leis brasileiras. Nesses casos, é igualmente recomendável o aditamento por advogados habilitados localmente.

Isso porque os profissionais aptos às respectivas jurisdições detêm o conhecimento técnico para avaliar as necessidades dos aditamentos, garantir o cumprimento das normas e requisitos legais e acompanhar a jurisprudência específica nos caso nos quais não se chegar a um acordo entre as partes quanto a qual será a taxa substituta da Libor. Cabe ressaltar que, nesse sentido, não se sabe ainda como ficará a situação desses contratos, especialmente os carentes de fallback.

Espera-se que haja bom senso e razoabilidade das partes na migração para a taxa substituta. Mas certamente existirão casos em que, por uma razão ou outra, tanto dos bancos como das contrapartes, a taxa e/ou os ajustes escolhidos para os contratos não serão satisfatórios à outra parte.

Arthur Longo Ferreira (arthur@hfladvogados.com.br) é advogado especialista em direito dos mercados financeiro e de capitais, sócio do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados

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