Fonte: Valor Econômico, dia 1/6/2018. Link
Por Leandro Aghazarm* e Jandir J. Dalle Lucca**
É correto afirmar que a teoria do desvio produtivo ainda é pouco conhecida por parcela significativa não só dos consumidores, mas também dos fornecedores e até mesmo dos profissionais da área jurídica. Em breve resumo, trata-se do direito do consumidor de ser indenizado pelo tempo despendido na empreitada de solucionar um problema que não deu causa, junto ao respectivo fornecedor do bem ou serviço.
Nos últimos anos, cada vez mais consumidores têm ingressado em juízo pleiteando indenizações com base nessa teoria, que vem recebendo acolhida pelo Poder Judiciário, surpreendendo empresas que ainda não se encontram totalmente preparadas para essa modalidade de demanda, em virtude de estarem em desconformidade com normas consumeristas e com a orientação jurisprudencial relativa ao tema.
Em julgado recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, um banco e uma empresa de crédito foram condenados por realizarem cobranças indevidas em contrato de mútuo. O autor da ação, embora em dia com suas obrigações, passou a ser insistentemente cobrado pelos réus, até em viagem de férias, mediante ligações telefônicas e carta de cobrança. Como mesmo depois de várias tentativas o autor não conseguiu resolver o impasse extrajudicialmente, o órgão julgador entendeu que essa situação lhe acarretou expressivo sofrimento íntimo, digno de proteção jurídica pela aplicação da teoria do desvio produtivo, que se caracteriza “quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências de uma atividade necessária ou por ele preferida para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável” (processo nº 1027480-84.2016.8.26.0224, 19ª Câmara de Direito Privado).
No mesmo sentido decidiu a 30ª Câmara de Direito Privado da mesma Corte ao condenar uma empresa de telefonia a pagar indenização por danos morais, decorrentes de cobranças indevidas de serviço não contratado, considerando o tempo despendido pelo consumidor para solucionar a questão, sob o entendimento de que é “aplicável a tese do ‘desvio produtivo do consumidor’, pela qual a condenação deve considerar também o desvio de competências do indivíduo para a tentativa de solução de um problema causado pelo fornecedor, com sucessivas frustrações diante da ineficiência e descaso deste” (processo nº 1011251-17.2017.8.26.0482).
Anteriormente, em novembro de 2013 a 5ª Câmara de Direito Privado daquele Sodalício já havia condenado uma empresa a indenizar consumidora que teve uma máquina de lavar defeituosa, pelo tempo perdido para tentativa de solução do problema. No respectivo acórdão, o órgão julgador salientou expressamente a tese do desvio produtivo do consumidor (processo nº 0007852-15.2010.8.26.0038).
Merecem destaque os excertos do voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi por ocasião julgamento do Recurso Especial nº 1.634.851, no sentido de que “já há quem defenda, nessas hipóteses, a responsabilidade civil pela perda injusta e intolerável do tempo útil” e que “à frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo”. Na ocasião, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negou provimento ao recurso do fornecedor.
Diante deste cenário em que a jurisprudência está se consolidando no sentido de prestigiar a teoria do desvio produtivo, torna-se imprescindível que as empresas fornecedoras se antecipem e passem a adotar políticas objetivando não apenas solucionar os problemas apresentados pelos consumidores, mas também a tornar eficiente a maneira com que as demandas são resolvidas, evitando percalços e desgastes desnecessários nesse processo. Para tanto, medidas de compliance e de governança deverão ser adotadas ou revistas para a adequação de todos os stakeholders também neste quesito, minimizando os riscos de condenações e impactos financeiros no negócio, além de, como consequência, por trazerem aprimoramento do atendimento dos consumidores, melhorem a imagem perante o mercado.
* Leandro Aghazarm é advogado do Dalle Lucca, Henneberg, Duque Bertasi e Linard Advogados. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
** Jandir J. Dalle Lucca é sócio do Dalle Lucca, Henneberg, Duque Bertasi e Linard Advogados e também Juiz Titular do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo-TIT.